domingo, 20 de junho de 2010

Exposição Ancoragens Afetivas

Exposição Ancoragens Afetivas - FUNDARTE, Montenegro/RS, agosto de 2006.



Texto do convite, de Eduarda Duda Gonçalves:

Quantas rosas são necessárias para navegar à memória afetiva?
Há pouco tempo Andrea me mostrou o inventário de rosas que guarda em arquivos digitais, em gavetas, na casa, em sua memória. São rosas de cera, de sabonete, embalagens de perfume, de pano, de crochê. Rosas de pixel, de lojas de R$ 1.99, dos amigos, dos folhetins, dos encartes comerciais. Rosa vermelha, rosa rosa... rosa, rosa! A rosa de Magritte, Rose Sélavy de Marcel Duchamp, a rosa de Dalí, a rosa de Rembrandt, a rosa de Monet, até mesmo a rosa de Mondrian, rosa azulada, transparente, nem horizontal, tampouco vertical, redondamente orgânica, uma rosa suspensa num copo, sem âncoras.
Das rosas que possui, qual é a rosa de Andrea? Não é a rosa da roseira, nem mesmo uma rosa. Segundo a artista, é a imagem imersa em um vaso de vidro com água... Uma rosa memória, um objeto-lembrança, definido por Gaston Bachelard como uma operação imaginativa em que imagens e memória são indissociáveis.
Ela relata: “Este objeto era uma espécie de vaso, que eu via freqüentemente na minha infância. Não era meu, nem de minha própria casa. O vaso consistia numa esfera de vidro, dentro da qual se colocava uma flor e água. A boca da esfera ficava virada para baixo, fechada com uma tampa, sendo que o que se via era uma bola cheia de água com a flor imersa. A flor colocada pela dona do vaso era sempre uma rosa. Pelo menos quando eu o enxergava. Chamo este objeto de objeto perdido.”
A poética instaura a epopéia da busca. A artista se apropria de uma imagem de rosa veiculada em uma peça publicitária de loja popular. A figura é escaneada, (re)editada e inserida em backlights de tamanhos e formatos diferentes. Os objetos são animados por meio de fonte luminosa, já que a rosa em luz desencadeia a atualização fugidia do passado, buscando na experiência do presente a permanência-movimento da lembrança. Em outro backlight reproduz um raio-x de seu peito segurando um objeto de vidro que contém uma rosa, ou seja, revela o objeto fora e dentro do corpo. O peito sem pele (des)cobre o objeto agrimensado/agrimensando a lembrança.
A luz que incide sob a imagem da rosa revela que “em nenhum lugar o olhar interior ilumina de forma homogênea. Ele economiza luz, clareando apenas alguns espaços dentro de nós” (BLOCH, 2005, p.115). Alguns lugares que não queremos esquecer.
Por meio da rosa luminosa, Andrea nos convida à operação da memória fluxo-de-duração-pessoal, que em nós poderia ser outra figurabilidade ou fato, uma outra imagem-lembrança, um outro objeto perdido. A rosa no ocidente é a flor simbólica mais citada, assim como a lótus no oriente. A rosa é sangue, é roda, amor paradisíaco, é a flor preferida dos alquimistas, é rosa em nós. Contudo, mesmo que impregnada de tantas atribuições, (re)ssignifica-se nas lembranças e na obra da artitsa. Uma rosa perdida são muitas, é além, lá e aqui. E é muito mais que uma reprodução, já que é órgão no corpo da artista, é manancial que acora o afeto, uma vez que uma rosa é apenas uma rosa.

(BLOCH, Ernst. O Princípio Esperança. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2005)

Eduarda Duda Gonçalves
Artista plástica, Mestre e Doutoranda em Artes Visuais/UFRGS.


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